Espaço do leitor
Tem que ter estômago!
Poucas pessoas com menos de vinte anos sofrem com gastrite.
Infelizmente, eu sou uma delas. Na semana de preparação desta edição, por
sinal, minha gastrite andou agitadíssima. Quem padece dessa condição sabe bem
como é. Nem a mais inocente das refeições desce ao ventre sem causar aquilo que
os antigos chamam de “revertério”. Desconforto, sensação incômoda mesmo, quase
no limite do suportável.
Dentre os diversos tipos de gastrite existentes, há a
gastrite nervosa, que surge durante ou após episódios de profunda tensão. Uma
reportagem instigante, uma dificuldade com a conexão, tudo pode ser motivo para
uma crise repentina. O mal estar resultante faz com que você se sinta dentro de
um barco em alto mar durante uma tempestade.
Não gosto nem um pouco dos efeitos da gastrite, mas um
amigo, com pendores de poeta, me disse outro dia que eu não devia me ressentir
deste mal. “Gastrite”, dizia ele, “é a doença dos que não engolem qualquer
coisa”.
De fato, há quem tenha predisposição pra engolir e aceitar
tudo que a vida lhe traz, seja bom ou ruim. São pessoas de espírito menos
indômito, mais dócil, mais maleável. Em suma, dos que tem “estômago de
avestruz”. Pouco importa se engolem um foie-grass ou um queijo velho, tudo vai
ter sempre o mesmo gosto. Se por um lado não dá gastrite, por outro não sente
prazer com o que é realmente bom.
A política, às vezes, nos apresenta a tese de que é preciso
ter “estômago”. Não concordo. Seria muito bom que a sociedade brasileira
tivesse uma gastrite cívica de vez em quando, pra “vomitar” tudo o que não
presta. Mas em Brasília, os escândalos se sucedem, os corruptos do passado
voltam à cena e simplesmente ninguém diz nada. Todo mundo engole. Estômagos de
avestruz.
Há, felizmente, os que não engolem desonestidade. O amigo
Anderson Almeida, que diagrama o jornal, recebeu uma boa quantia a mais no seu
salário na empresa onde trabalha, e percebeu que era o salário de outro colega,
depositado por engano. Devolveu a quantia imediatamente. Outros, no seu lugar,
teriam “engolido” o ganho alheio sem constrangimento algum, e ainda poriam a
culpa na empresa. A falta de pudor sempre encontra um jeito.
Quanto a mim, prefiro mesmo a gastrite em certas situações
da vida. Pouco importa se outros estão acostumados a engolir coisas inconfessáveis.
Essa não é a minha praia. Sou enjoado para isso. Ainda bem.
Márllon Mendes Maciel
Editor do Jornal O Fato
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