Coluna-Ponto-de-Vista-1

Falando de Direito

Paulo Antônio Oliveira
Colunista do blog

O “DIREITO” A MENTIR 

Inicialmente é necessário definir o significado da mentira, que pode ser elencada, primitivamente, como um fundamento para a “sobrevivência” e autopreservação, derivada da simulação, do ato de distorcer a verdade. Claro que, com o avanço das organizações sociais a mentira teve de ser reprimida, pois a convivência pressupõe a existência de regramentos instituídos (que hoje são as leis) pelo poder central ou pela sociedade, pelo povo. A mentira poderia ser, então, um meio para contornar ou burlar essas regras de uma determinada sociedade. 
No direito brasileiro, a punição para a mentira é prevista nos artigos 16 a 18 (litigância de má-fé) do Código de Processo Civil. No processo penal a mentira é “tolerada” na maior parte das vezes sem nenhuma sanção. É um mero reflexo do entendimento dos julgadores, onde se aceita que “tem o sujeito o direito de permanecer calado e até mesmo o de mentir para não se auto-incriminar com as declarações prestadas”. 
Os doutrinadores do direito têm aceitado que todos nós temos um direito e um dever de mentir. Direito, porque vem assegurado em lei; e dever, porque funciona como meio da sobrevivência do homem. Outros dizem que a mentira é uma costumeira expressão verbal de esconder o que está radicado na alma, um fenômeno de atavismo e luta pela sobrevivência, uma forma de distorcer um fato, acrescentando, cortando ou modificando-o, devido ao ambiente, ao momento psicológico e político e ao sentimento religioso que formam parte do pensamento humano. 
A Bíblia Sagrada exibe o que se pode chamar de princípios de uma ordem superior ao homem, consubstanciada na preocupação dos profetas em reprimir a mentira. Existem várias regras de negação à mentira, entre elas “não dirás falso testemunho contra teu próximo”, “fugirás a mentira”, “não mentireis e ninguém enganará o seu próximo”, entre outras que condenam os lábios daqueles que dizem mentiras, e dizem que a mentira é uma manha. 
Os pensamentos filosóficos refletem esses princípios, e tratam a mentira como aquilo que uma pessoa diz ou expressa diferentemente daquilo que ela tem em mente, diferente do verdadeiro. Outros disseram que a mentira é um vício, e o que é verdade ou mentira está no intelecto do homem, e não nas coisas do cotidiano. 
A mentira nos traz a evocar o famoso paradoxo de Epiménides (filósofo grego, 600 a.C.), onde diz um cretense: "Todos os cretenses são mentirosos." Sendo cretense, também ele mente. Então, a sua afirmação é verdadeira ou falsa? 
Para o apreço dos leitores, transcrevemos a primeira parte do poema de Affonso Sant’Anna, Implosão da Mentira, publicado no livro Política e Paixão (1984). O autor é artista e intelectual, mineiro de BH (1937), com mais de 40 livros publicados, foi professor na UFMG, PUC/RJ, URFJ, UFF, lecionou na UCLA (EUA), Koln (Alemanha), Aix-en-Provence (França). Foi considerado como um dos dez jornalistas mais influentes do Brasil. Trabalhou no Jornal do Brasil, Senhor, Veja, Isto É, Manchete, foi colaborador do jornal O Estado de São Paulo. Está n'O Globo desde 1988. É casado com a escritora Marina Colasanti. 

IMPLOSÃO DA MENTIRA 

de Affonso Romano de Sant'Anna 

“Fragmento 1 

Mentiram-me. Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente. Mentem de corpo e alma, completamente. E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente. Mentem, sobretudo, impune/mente. Não mentem tristes. Alegremente mentem. Mentem tão nacional/mente que acham que mentindo história afora vão enganar a morte eterna/mente. Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases falam. E desfilam de tal modo nuas que mesmo um cego pode ver a verdade em trapos pelas ruas. Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura. Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à democracia pela ditadura. ...” 

Estamos atentos, quem viver verá! 

“Voltaremos, se Deus quiser! E há de querer, PODEM CRER!”

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