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Espaço do leitor


Por uma música brasileira


Por Leandro Malósi Dóro – jornalista – Reg. Prof. 9343


Desde o início da Era do Rádio no Brasil, em 1922, músicas internacionais são inculcadas na maior parte da população brasileira. Eram músicas clássicas, canções populares francesas e depois a supremacia do cancioneiro bretão, com obras provindas dos Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e co-irmãos. Em paralelo, despotavam gravações ou apresentações aou vivo de música brasileira: a marchinha, o samba, o samba-canção, a moda de viola, a bossa nova, a tropicalia e outros. Porém sempre ladeado pelas músicas estrangeiras.

O espaço oferecido na mídia para esse cancioneiro foi aumentando na mídia. O primeiro grande impacto foi no advento das rádios de frequência modulada, nos anos 70. No período foi importado o conceito de rádios Top 40, onde cerca de 40 músicas eram repetidas ad infinitun, na programação diária. A maioria delas estrangeiras, pois as gravadoras dominantes na época pagavam para ter esse espaço. Colaborou para isso novelas da Rede Globo adotarem na sua programação canções norte-americanas. Na programação das emissoras e nos cinemas, também começaram a surgir filmes que apresentavam músicos ou estilos norte-americanos em enredos heróicos. Exemplo disso são os filmes com Elvis Presley, John Travolta, Fred Astaire, Frank Sinatra, Nate King Cole, entre outros.

Nos anos 80, o grande impacto cultural foi a abertura do canal televisivo norte-americano MTV Brasil, pelo grupo Abril. Os videoclipes, que já tinha espaço na programação das emissoras de TV, passaram a ter um canal exclusivo. E a programação da MTV privilegiava os videoclipes em inglês. Colaborou para essa supremacia mais filmes voltados para a juventude, divulgando o estilo de vida que a música poderia proporcionar. O festival Rock in Rio, em 1986, celebrou essa tendência da juventude idolatrar músicas em inglês.

Nos anos 90, as novelas a Rede Globo de Televisão passaram a ter, oficialmente, cerca de 50% de músicas estrangeiras, sob argumento da teledramaturgia brasileira visar ser comercializada o mercado estrangeiro. Nessa mesma década grupos de comunicação criaram canais abertos que privilegiavam ainda mais músicas estrangeiras. Exemplo disso são as emissoras do grupo Bandeirantes de Rádio e Televisão, que tem uma emissora de TV que passa os clipes das músicas transmitidas pela sua principal rádio FM.

Em paralelo o cancioneiro brasileiros resistiu, evoluiu e adotou aspectos musicais estrangeiros, para ser mais facilmente aceito por uma população de ouvidos cada vez mais acostumados com os ritmos ditados pelo exterior. Na atualidade, a classe média é refém de músicas estrangeiras. Crianças assistem clipes em emissoras de TV e tem como símbolos de comportamento músicos que cantam em inglês. A Disney é uma das empresas que mais sistematiza essa idolatria, ao formar músicos juvenis que após se tornam astros adultos. Algumas bandas brasileiras, inclusive, passaram a cantar em inglês para almejar o mercado externo, mas, também, ser melhor aceitas no seu próprio país.

Uma grande faixa da população brasileira não adotou essa idolatria ao estrangeirismo. São os amantes das manifestações populares regionais: sertanejo, forró, samba, gauchesca, nativa, etc. Essas manifestações musicais, segundo o crítico musical José Ramos Tinhorão, são variações de dois ritmos básicos: lundu - música que privilegia o ritmo e de origem africana - e a moda de viola - canções cujo foco é a melodia e tem origem na tradição medieval.

Os que gostam de estilos populares são taxados de bregas, ultrapassados e uma série de outros termos depreciativos, que buscam reduzir a importância do universo musical brasileiro e o nascimento ou percepção da produção local. Mesmo grupos, cantores ou intérpretes de estilo refinado nacional são criticados por essa classe média que deseja que o inglês seja sua língua principal. Durante o Império Romano, tudo o que não provinha de Roma ou Grécia era bárbaro. Nossa música sofre fenômeno igual, com a diferença de que agora são Estados Unidos e Inglaterra. Os detratores de nossa cultura são os próprios brasileiros, que são vítimas dos ritmos e comportamentos estrangeiros.

O resultado é que essa população classe média passa a defender o estilo de vida norte-americano e inglês e se torna suscetível a consumir produtos dessa origem, seja de qualquer gênero – alimentos, cultura, eletrodomésticos, automóveis, viagens, shows, etc.

Como solucionar esse problema? Existem várias emissoras de rádio especializadas em músicas brasileiras, porém nenhum canal de TV aberto especializado nisso. O que precisaria ser feito é um trabalho sistemático. A classe média brasileira nunca aceitaria mudar de gosto musical radicalmente. Porém existem diversos compositores e intérpretes que são do agrado dessa faixa da população e que poderiam compor uma programação nacional que se tornaria uma espécie de Top 40 da música brasileira, para contrapor aos ataques estrangeiros.

A escolha dessas Top 40 deve ser feita por um grupo especializado, que elegerá como principal critério para a escolha a popularidade da música nessa faixa de população. Nunca crer que letras de mensagem política, sem terem qualidade suficiente, são cabíveis de ser executadas. Mesmo mensagens políticas precisam ser de alta qualidade para se tornarem objeto de interesse popular. O simples fato de canções serem em língua portuguesa já é uma imensa conquista para os ouvidos nacionais.

A execução desse Top 40 precisa ser feito em emissoras de rádio de todo o país que se interessem pelo conteúdo. E isso mais uma vez determina a importância do critério de escolha ser a popularidade para a classe média. As emissoras, para aceitarem essa programação, necessitam que a rádio possua audiência que resulte em venda de espaços publicitários. A emissora que perder público devido a um Top 40 mal-elaborado o irá excluir da programação.

A construção e sugestão dessa lista periódica deve ser feita mensalmente, nos mesmos métodos do Top 40, e remetidas às rádios de todo país. Se possível, criar um site com as 40 canções do mês, que irão mudando periodicamente. No método Top 40, uma nova música é inserida a cada semana, enquanto outra sai. De maneira que em poucos meses, a programação tenha sido totalmente alterada sem o ouvinte perceber.

A segunda etapa seria política: lutar para que a TV Brasil, canais educativos e um maior número de emissoras passe a transmitir clipes desse Top 40. Como parte desse pacote, transmitir filmes brasileiros que destaquem músicas voltadas a classe média.

Para completar, criar um canal aberto para transmitir apenas músicas nacionais e uma rádio em paralelo com esse perfil. A programação dessa emissora pode contemplar uma vasta produção brasileira, mas tendo o Top 40 como base de seu horário nobre.

Essas iniciativas com certeza irão gerar outras contribuições para a elaboração de um sistema musical brasileiro que possa contrapor ao estrangeiro, que tanto vigora em nossos cotidianos e em nossa memória, refém dos estrangeirismos.

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