Obama encarna o herói no anúncio da morte de Bin Laden
Não há como não recordar os grandes faroestes norte-americanos. Aqueles filmados por tantos, imortalizados por John Ford e John Wayne, revisitados por Sérgio Leone e Clint Eastwood. A cena, um clássico, ensaio minimalista do que teria sido o Oeste dos EUA no século XIX, aquele dos duelos entre o Bem e o Mal. O bandido está morto, o herói está vivo. (O roteiro, claro, é do dono do filme).
A plateia, respiração suspensa planeta afora, não desgruda os olhos da tela. Final da noite de 1º de maio de 2011. Auto-escalado para o papel, o herói atua. Texto decorado, impecável, testado e re-testado antes do "Câmeras, ação!". O mundo que está acordado, que soube, assiste. O herói constrói, palavra por palavra, frase a frase, o momento aguardado, o clímax:
- Eu planejei, comandei e determinei a morte de Osama Bin Laden(...) A justiça foi feita...(...)
Como entrará para a história a cena final. Espetacular, hollywoodiana. Aquele que buscou e agora encarna o papel do herói, diz e repete ter cumprido a missão em nome do seu "povo" e "dos nossos aliados".
Olhos na câmera. Pausa. E ele se despede:
- ...Vamos sempre defender a Justiça e a Liberdade. Deus os abençoe e abençoe a América...
O tapete é vermelho, mesma cor da gravata, vermelho com bordas douradas, mesmo tom e tecido das quatro cadeiras à vista. O longo corredor ao fundo, abóboda e colunas iluminadas, resplandece, contrasta com o terno azul marinho. O herói, candelabro a faiscar acima da cabeça, fita uma última vez as lentes, dá as costas para a câmera. Caminha lentamente pelo tapete vermelho, não se vira, não olha para trás. A câmera aberta o segue até quase o fim do corredor. Ele gira para o lado esquerdo, sai da cena para entrar na História empurrando a porta do saloon...
Para ser exato: Barack Obama abre uma porta à esquerda, ao final do longo corredor na Casa Branca, e deixa a cena espetacular depois de comunicar oficialmente aos Estados Unidos e ao mundo a morte de Osama Bin Laden, 3.519 dias após o 11 de Setembro de 2001.
Terrível o 11 de Setembro. À parte a escabrosa sequência de fatos chocantes, ação midiática monumental, sem precedentes, aquela urdida por Osama Bin Laden e sua Al Qaeda.
Neste final da noite do 1º de maio de 2011, uma resposta cinematográfica. Embora solene, contida, também ela monumental, carregada de expectativa, tensão e drama, também ela destinada a percorrer a Terra, a instigar corações e mentes.
Cinematográfica desde o cenário, a Casa Branca, à construção do discurso que lembra os mortos do 11/9, reaviva a dor, as perdas das famílias, passa pelos compromissos dos EUA com "os aliados", informa ter avisado o governo do Paquistão sobre a ação, e dá ao presidente o efetivo "Comando Supremo das Forças Armadas" e da operação que matou Bin Laden.
Ação que dá ao candidato democrata às eleições presidenciais de 2012 um trunfo extraordinário.
A notícia da morte do "Inimigo Número 1", uma montagem que, de início, vazou a informação e chamou a atenção do mundo, em seguida anunciou para dali a minutos um discurso que só iria ao ar quase uma hora depois e que culmina com uma fala escrita e exibida com toda a ciência e instrumentos exigidos no embalo e entrega de fato tão espetacular.
Nesta segunda-feira 2 de maio, a mídia do mundo vasculhará cada instante da ação que levou à morte do líder da Al Qaeda, mas preciosa tarefa será, também, reconstituir a minuciosa, hollywoodiana Operação Anúncio. Finda a fala de Obama, o segundo estágio: sobe som e câmeras soltas.
Washington. Portões da Casa Branca: primeiro uns 100 manifestantes, poucos depois 1 mil, 10 mil, 25 mil, 30 mil. Bandeiras do EUA, o hino, buzinas, faixas, euforia patriótica.
Festa nas ruas de Nova Iorque. Cartazes empunhados, letreiros eletrônicos a girar, o New York Post a estampar em manchete:
- Pegamos o Bastardo.
As câmeras se espalham. Mundo afora. Soldados dos EUA festejam e suas bases militares entram em alerta máximo. Times Square acorda e comemora na madrugada da segunda 2 de Maio.
O Bush Jr. fala (sim, o Bush Jr. fala) que foi "uma vitória" para os EUA pegar Bin Laden. Bill Clinton, também ex-presidente, diz que a morte de Bin Laden "é importante para um futuro de paz". No Oriente, as Bolsas abrem em alta, o petróleo, em baixa.
No mundo viral, versões: foi ou não foi a CIA?
No mundo de papel, o Washington Post, crava: "Bin Laden morto em operação da CIA".
Ele foi morto no domingo ou dias antes? Mapas, infográficos, fotos, vídeos, nos momentos de pico mais de 4 mil mensagens rodando nas redes a cada segundo.
No meio da madrugada, impacto.
Alimento visual para a mídia, para o dia seguinte, para sempre. O rosto do morto. A prova, com ressalvas iniciais, da morte de Osama Bin Laden.
O ríctus dos últimos instantes: lábios e dentes entreabertos, o olho direito esmagado (e depois costurado), o olho esquerdo um rasgo branco. O buraco da bala quase no meio da testa, pouco acima da sobrancelha esquerda. Sangue no couro cabeludo, na fronte esquerda, a barba hirsuta e grisalha sobre o tórax desnudo.
Quase fim da madrugada. Via internet, a divergência de grandes redes, jornais e sites, New York Times, CNN, ABC, El País, NBS: Bin Laden será transportado para os EUA; Bin Laden será sepultado no mar; Bin Laden já foi sepultado no mar.
Trabalho para repórteres atilados, para historiadores, desvendar como e quem tomou a decisão de como e onde sepultar Osama Bin Laden, o inimigo número 1 dos Estados Unidos.
Imagine os riscos de trazer o corpo de Bin Laden para os Estados Unidos. Abrigá-lo onde e como? Como vigiar, impedir, a sanha dos a favor e de quem é contra? Como deixar em solo norte-americano o corpo do homem que foi, é o símbolo do terror para uma grande parte do mundo, que foi, é, será sempre um mártir para outra porção do mundo?
Quase de manhã. Início de certa convergência nas TVs e sites: Bin Laden foi sepultado no mar. Inevitável a querela que virá: em qual mar? Em que ponto desse mar?
Início da manhã de 2 de maio. O governo dos Estados Unidos repete a mesma mensagem para seus cidadãos espalhados pelo mundo e os adverte: "Tenham cuidado... potencial aumento da violência anti-americana..."
Em Israel, o presidente e o primeiro ministro comemoram. Na Itália, Berlusconi, o Berlusca amigo dos Kadafi, diz ter sido uma "vitória contra o mal" e, na França, onde se bate com hábitos e costumes muçulmanos, Sarkozy afirma não crer no fim imediato da Al Qaeda.
Telejornais da manhã de 2 de maio de 2011 estão no ar. Barack Obama discursa. Corte. A foto de Osama Bin Laden morto. Corte. A multidão em êxtase diante da Casa Branca. Corte. Barack Obama acaba sua fala... "Deus abençoe a América"... se vira, caminha lentamente, sem olhar para trás, até ultrapassar a porta do saloon.
Fonte: Portal Terra
Relembre o atentado de 11 de setembro
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