Espaço do leitor
Essa terra também tem dono, Sepé...
Corria o já distante ano de 2002, no primeiro ano de mandato do Presidente Lula, quando foi anunciada pelo governo federal a desapropriação da Fazenda Southall, em São Gabriel, para fins de reforma agrária, anunciada como “a maior do gênero na história do Brasil”. Na ocasião, nasceu em São Gabriel um amplo movimento da sociedade civil contra a desapropriação, envolvendo produtores rurais, autoridades públicas, setores do comércio e da indústria. A mobilização acabou utilizando uma frase histórica atribuída a Sepé Tiaraju: “Esta Terra tem Dono”. Hoje há quem diga que esta frase não foi dita por ele, e sim pelo índio Guaiacurú, na redução jesuítica de Guaíra, norte do Paraná, mas o fato é que a frase do indígena acabou se tornando, na ocasião, um lema da luta pelo direito à propriedade.
Mal sabíamos naquela época o preço que esta escolha cobraria no futuro. Um dos líderes do MST que lutava contra a população de São Gabriel na época, frei Sérgio Goergen, deixa bem clara em sem livro “Marcha ao Coração do Latifúndio”, sua insatisfação com o fato de o nome de Sepé Tiaraju ser usado como símbolo de um movimento a favor da propriedade rural. Afinal, intelectuais ideologicamente comprometidos, como Antonio Cechin, trabalharam anos a fio para cristalizar a imagem do cacique guarani Sepé Tiaraju como uma espécie de Che Guevara de cocar, um guerrilheiro contra o imperialismo ibérico. Tal afirmação era tão influente na época, que o próprio MST usava a imagem de Tiaraju em suas marchas contra São Gabriel. Mais tarde, o principal assentamento da reforma agrária no município foi chamado “Conquista do Caiboaté”, numa tentativa de desforra histórica.
Agora, mais uma vez, o assunto volta à baila, com a primeira grande medida do novo governo petista em São Gabriel, que decretou a desapropriação de 1,7 hectare da Chácara Juca Tigre, próximo ao centro urbano da cidade, para a construção de um Memorial a Sepé Tiaraju. Trata-se, no presente caso, do Sepé segundo a visão que eles possuem da História: o Sepé guerrilheiro, o socialista, o mártir contra as “elites”, apesar de ele próprio ser parte da elite política da sua época, como corregedor da Redução de São Miguel.
Soa bem estranho o Município encarar essa desapropriação com tamanha prioridade num momento em que anuncia calamidade financeira. Mas, para quem viveu aqueles anos de marchas e contra-marchas, faz todo sentido. Política também se faz com símbolos, e o monumento que o PT sonha erguer próximo à Sanga da Bica, pretende ser um marco da vitória da esquerda no chamado “Coração do Latifúndio”. Pouco importa se, para isso, precisam solapar a própria história, e ignorar o pensamento de historiadores como Ubirajara Raffo Constant, autor de “Sepé Tiarajú, uma farsa na história”, e Moacyr Flores, autor de “Sepé Tiarajú: História e Mito”, e também o folclorista Antônio Augusto Fagundes, para quem “Tiaraju não foi nem caudilho, muito menos riograndense, não lutou e nem morreu pelo que era dos índios, e sim pelo que pertencia à Companhia de Jesus”.
O PT aprendeu com Lula a iniciar governos com desapropriações. São Gabriel conhece bem o resultado disso: em 2008 a posse da Southall foi concretizada, e o então ministro da Reforma Agrária Guilherme Cassel disse que aquele local seria um “assentamento-modelo”. De fato, é o modelo de um estilo de governar: desapropriar áreas, gastar milhões, prometer o paraíso e entregar o nada. Que Deus nos livre destas situações.
Tarso Teixeira
Presidente do Sindicato Rural de São Gabriel
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