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Venda de Matrizes, um sintoma que vem do campo

            Nesta semana, a imprensa especializada na cobertura de temas relativos ao agronegócio tratou com destaque o alto índice de comercialização de matrizes na bovinocultura. Para quem eventualmente não possua intimidade com o vocabulário mais técnico da produção rural, convém explicar que quando falamos de matrizes estamos nos referindo às fêmeas do gado, com potencial de prenhez. Uma matriz de boa fecundidade é sempre uma promessa de geração de mais terneiros, e conseqüente, maior lucratividade, garantindo a permanência do produtor rural na sua atividade.
            A forte incidência de venda de matrizes que ainda se registra por todo o Brasil tem sido tratada por certa cobertura jornalística com um tom de surpresa, de quase escárnio, como se fosse um sintoma de alguma espécie de incompetência inata do produtor. Aqui e ali, pode-se quase ler nas entrelinhas das análises de alguns economistas, confortavelmente instalados em seus escritórios com ar-condicionado: “Como é que estes fazendeiros matam sua galinha dos ovos de ouro? Que necessidade tem disso um setor tão forte da economia?”.

            O que talvez não tenha ocorrido a muitos ‘analistas’ do mercado rural é que o produtor rural não vende uma matriz porque quer, ou porque tenha alguma inclinação suicida. Ao invés de servir para reforçar um preconceito desinformado contra o setor, este triste cenário deveria alertar para um fato que tem sido denunciado ano após ano pelas principais lideranças rurais de todo o país, sem qualquer tipo de eco na mídia: o produtor rural brasileiro está sufocado, sem renda, endividado, e muitas vezes o que lhe resta é abrir mão de sua ‘poupança de futuro’ – as matrizes – para poder honrar compromissos.
            Em casos mais extremos, tem produtor vendendo fêmeas com prenhez positiva para frigoríficos, com isso o abate será de dois animais, o que fatalmente vai acarretar ainda mais na diminuição do rebanho, com a conseqüente alta de preços para a população, afetando especialmente os mais pobres. E embora a crise seja mais visível na bovinocultura, sabemos que no mercado de suínos e outras carnes muitos produtores tem recorrido à venda de matrizes como válvula de escape, já que não lhes assiste uma política agrícola efetiva que subsidie a retenção de matrizes. O atual ministro da Agricultura, Wagner Rossi, tem falado no assunto, mas até agora, nada mais que boas intenções.
            A muitos não interessa relatar este caso, porque desmancha a imagem de prosperidade do agronegócio, de que tanto se alimenta a propaganda governamental. Sim, o agronegócio brasileiro é próspero. Na verdade, o país é um campeão mundial de produção de alimentos. Mas até aqui, o principal elo da cadeia produtiva da produção rural – o produtor – é o que tem sido menos beneficiado. Enquanto a indústria e o varejo ligados ao setor alcançam lucros crescentes a cada ano, o fornecedor da matéria-prima tem arcado com os prejuízos de um preço de mercado muito aquém do seu custo de produção.
            Hoje, se vão as matrizes. Amanhã, o campo. E quando a cidade acordar, poderá ter sido tarde.

Tarso Francisco Pires Teixeira
Presidente do Sindicato Rural de São Gabriel
Vice Presidente da Farsul

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