Coluna-Ponto-de-Vista-2

Falando em música

Cibele Ambrozzi Corrêa
Colunista do blog

"Ray Charles..o pai do soul"
Nossa, a quanto tempo eu não passava por aqui, tantas mudanças e acontecimentos me afastaram um bocado da minha coluna, eu sei que estou em débito com meus leitores, maaas prometo compensar, e para isso nada melhor que iniciar falando do Rei, não, ainda não é o Rei Roberto Carlos, quero um dia dedicar uma coluna inteira a ele, por que não?! Inclusive, certo dia, estávamos trocando idéias meu pai de coração (assim que o chamo) Fernando Lima e eu, a respeito dos gostos musicais das pessoas, eu respeito muito isso sabe, mas às vezes, o fanatismo por um único gênero, além de me assustar me parece um tanto sem nexo, tendo em vista que todos os estilos musicais têm suas fontes no ontem. Veja o rock and roll, suas fontes derivam do blues, do country, do R&B, do folk, do jazz e até mesmo da música clássica, e ainda há pessoas que torcem o nariz pra estes gêneros. É, vai entender, maaaas em outra oportunidade falarei mais sobre este assunto tão polêmico, afinal cá estava eu falando de um Ray, errr..,digo, um Rei que foi o monstro da música negra americana, nada mais nada menos que Ray Charles, tuuudo bem, eu confesso que tenho uma quedinha por ele, mas vale muito a pena ler sobre esse ícone. 

Muitos pensam que Ray Charles nasceu cego, mas na verdade, ele teve alguns problemas de visão e aos 7 anos de idade veio a ficar totalmente cego, isso após presenciar a morte do irmão mais novo, alguns afirmam ter sido glaucoma outros dizem ter sido uma infecção causada por água com sabão que teria caído em seus olhos, mas enfim, apesar desta limitação e devido a ela, o astro freqüentou a Escola para cegos em Santo Agostinho – Flórida (1937-1945), lá ele aprendeu a tocar vários instrumentos musicais em braile, também foi neste período que ficou órfão, aos 15 anos de idade. 

Foi em 1946 que ele iniciou sua carreira musical e em 1948 começou a fazer parte do grupo chamado Maxin Trio, juntamente com o guitarrista e cantor Lowell Fulson autor de um clássico chamado “Reconsider Baby”, para quem não conhece, dá uma escutada e depois me diz se Ray andava mal acompanhado. 

Ray Charles Robinson, Ray Charles, como ficou conhecido, foi o primeiro negro que conseguiu quebrar as barreiras do preconceito racial, foi cantor, pianista e compositor, sem se apegar a um único gênero musical, veio do blues, passeou pelo jazz, iniciou com o gospel, aliás, ele foi o responsável por introduzir o ritmo gospel (de deus) ao R&B (do demônio), dizia ele que deste casamento surgira um “bebê” chamado soul music, que foi o seu formato musical, já imaginou o alvoroço que foi em plena década de 60 essa fusão!? Maaas, foi graças a essa ousadia que a sua carreira deu uma bela guinada, inclusive com os sucessos das canções “I Got a Woman”, regravada por Elvis Presley, coisa básica assim né, “Talkin’ bout you”, “What I’d Say”, “Litle girl of Mine”, “Hit the Road Jack”, dentre outras obras que surgiram com o decorrer do tempo, como: “Unchain my Heart”, “Ruby”, “Cry Me a River”, “Hallelujah, I love her so”, “Geórgia on My Mind”, não sei dizer qual eu gosto mais, ahh inclusive, esta última canção, só a titulo de curiosidade, em 1979 foi decretada oficialmente o hino do estado da Geórgia – EUA, anos após uma manifestação contra o racismo, onde Ray se negou a cantar em um show por ter sido proibida a entrada de negros. 

Ray Charles tinha um jeito único de tocar suas músicas, mudanças de acordes, técnicas vocais e gritos, lamentos e gemidos, e com o seu balançar ele brincava tocando piano, como eu costumo dizer, ele sambava na cara de muita gente, seja tocando, compondo ou interpretando! Se ele estivesse enjoado de tocar as mesmas coisas, inovava, incorporava o rock, o folk e assim por diante, não importava o que a gravadora mandasse e nem o que o público queria, ele fazia aquilo que achava certo fazer, tocar com o coração, por prazer. 

Graças ao seu jeito ímpar de tocar e a emoção que ele transmitia, algumas de suas canções passavam como se fossem de sua autoria, “Geórgia on My Mind” é um exemplo, esta musica foi composta em 1930, escrita por Hoagy Carmichael e Gorrel Stuart, pesquisando em algumas fontes vi que há uma historia de que Hoagy compôs a música para a irmã de Gorrel chamada Geórgia, por ser ambígua, serviu para homenagear o estado também. 

O negro gato americano é o pai do soul....e também de mais 12 filhos com 7 mulheres diferentes, além de ter sido casado 2 vezes, ainda resta dúvidas de que ele foi um mulherengo assumido?! Acho que não né?! risos... 

Mas apesar da fama, da família e das mulheres em sua cama, havia mais alguém, aquela que ele convivera por mais de 15 anos, aquela que conseguia abrandar sua angústia e seu medo do escuro, aquela que o levava para uma viagem em outro plano e que amenizava suas dores, era sua heroína, para ele o nome fazia o maior sentido e por ela quase perdeu tudo, até que um dia foi preso por posse da droga e internado por 1 ano para reabilitação. 

Um gênio! Apesar dos pesares, é assim que eu o vejo, e como todo gênio sua vida também foi retratada em um filme chamado “Ray”, normalmente filmes assim não ficam tão bons, mas este meu amigo, aahhh este não foi dirigido por qualquer um, Taylor Hackford, somado com a atuação avassaladora de Jamie Foxx, que, aliás, foi escolhido pelo próprio Ray Charles para fazer o papel, tornaram esta obra musical em um grande sucesso. 

Em 2004, época em que o cantor faleceu, o diretor Taylor fez um comentário a respeito: "Ele sempre queria escutar a voz de sua mãe, personagem-chave do filme", "Sim, era assim mesmo, está certo", afirmou Charles ao ouvir uma montagem do filme com cenas de conselhos e broncas que levava. Tudo bem que a morte do gênio, logo após as filmagens do filme, deu um leve empurrãozinho para que o filme fosse o sucesso que foi, porém, aquele que sabe saborear uma boa música (e que assistiu ao filme) deve ter notado que o filme em si não fala somente de uma lenda da música, mas também da vida de um homem negro e cego desde a infância, cheio de desafios para enfrentar, sendo que um deles foi o de se adaptar a ouvir os sons do mundo e sozinho aprender tudo, sua luta para se livrar do vicio da heroína e de outras drogas, e além de tudo isso, conseguir viver (ou sobreviver) em plenos anos 60 nestas condições. 

Talvez muitos não tenham conseguido perceber a importância desta figura, suas inovações, seus acordes insatisfazíveis, suas transformações, Ray Charles mudou toda a historia da música, ele podia até não enxergar, mas com certeza fazia parte daquela gleba de frankensteins, aqueles monstros que sentiam, viam e ouviam com a alma.

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