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Textículos do Mário Mércio

Mário Mércio
Colunista do blog

FAMÍLIA E ALMA
Quem já foi a uma galeria de arte sente coisas que normalmente não se sente noutras partes. Eu falo por mim. Ai fico a pensar que a alma é uma galeria de quadros. Os quadros são cenas da vida e a melhor cena da vida é a felicidade. Gostaria que estas cenas, dos quadros, acontecessem na realidade. Não só para mim, mas para você, para todos. Mormente para aqueles que sofrem. Por isso acho que todos devam visitar uma galeria de arte. Uma das cenas mais queridas é a cena da família, que aparecia sempre nos quadros e retratos antigos. O marido forte e confiável, de pernas cruzadas; a esposa, ao seu lado, posando sua mão ternamente no seu ombro. Ao redor, os filhos. 
Ai você sai da galeria e tudo muda. Não há mais o marido “posudo”, nem a terna mulher e muito menos os pacatos filhos. Eles estão a andar por seus próprios caminhos e você se sente só, miseravelmente só neste mundo cruel. Mas o mundo não é cruel. É natural que isto aconteça. 
Faz uns dias, acompanhei de minha sacada, um casal de sabiás. Haviam feito um ninho no meu quintal. Os filhotes já sabiam voar, menos um. Tentou o voo. Fracassou. Caiu no chão. O casal ficou a piar num galho ali perto. Como a dizerem:- - Tente de novo! Você pode! O filhote tentou e conseguiu. Saiu voando baixinho e se aquerenciou numas moitas, cansado. No dia seguinte fui visitar esta família, subi numa escada e o ninho estava vazio. A família tinha partido. Os filhotes não mais dependiam deles. Acho que para este casal, a cena mais querida era exatamente esta: o ninho vazio. Ninho de tanto trabalho, de idas e vindas por meses a fio. 
Kalil Gibran, no seu livro Profeta tem um lindo texto sobre filhos. É bem assim... Não nos pertencem, são flechas e nós somos o arco que dispara a flecha. Muito bonito, mas errado. Nossos filhos não são flechas, porque flechas ainda que disparadas certeiras, vão em direção que o arco indicou. Mas nossos filhos não vão à direção que nós escolhemos. 
Somos diferentes dos sabiás. Ficamos no ninho e queremos que os filhos fiquem ao nosso lado, sob nossa vigilância ou que eles voltem, após conhecerem as delícias dos voos. Há tempo para tudo. Há tempo de abraçar e há tempo de deixar de abraçar. Eles voltarão quando sentirem saudades. Agora somos nós pais, que devemos a aprender a voar sozinhos. São belas as aves que voam sozinhas.

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